Papos Quânticos II — Samuraí Brito

Bruna Shinohara de Mendonça
4 min readFeb 12, 2022

--

Esse texto faz parte uma série de entrevistas que estou fazendo com especialistas da área de computação/física quântica. A ideia é trazer pessoas de diversos contextos: academia, indústria, comunicação científica etc. Fiquem de olho nas próximas entrevistas!

Me fale um pouco sobre você e do seu trabalho atual.

Oi… meu nome é Samuraí, sou casada há 16 anos e sou mãe de dois filhos lindos, Davi (15 anos) e Samara (8 anos). Tenho doutorado em física e 4 anos de pós doutorado na área de Teoria da Informação Quântica.

Passei minha vida inteira na academia e no final de 2020 recebi uma proposta para trabalhar no Itaú e liderar a área de tecnologias quânticas. Nunca me imaginei indo para indústria, muito menos a indústria financeira.

O Itaú foi uma surpresa maravilhosa na minha vida e estou adorando conhecer e atuar nessa empresa gigante, com pessoas fantásticas e fazendo o gosto e sei fazer: pesquisar.

Quais são os grandes desafios de se trabalhar com computação quântica no Brasil?

O primeiro grande desafio é o próprio Brasil. A desvalorização da ciência e tecnologia é uma trava gigante. Além da falta de incentivo de governos, as possibilidades de atuação na academia também não são muitas.

Na indústria, por outro lado, não temos também oportunidade de atuação, principalmente para físicos. Eu, particularmente, desconhecia qualquer iniciativa em tecnologias quânticas em empresas no Brasil. E se essas iniciativas existem, sou pouco divulgadas dentro da academia.

Eu sempre falo que precisamos construir uma ponte de diálogo entre Academia e Indústria, acredito que isso contribuirá diretamente para o desenvolvimento da área de computação quântica no Brasil.

As universidades têm muito conhecimento que é desconhecido ou pouco divulgado na empresas. Se começarmos a fechar esse gap, acredito que inúmeras colaborações e oportunidades de emprego comecem a surgir.

O que se procura, atualmente, no profissional na área de computação quântica? Como se posicionar para o futuro dessa área?

Para atuar na indústria, o profissional de computação quântica tem que saber simplificar. Na academia estamos habituados a falar para mestres, doutores, professores, alunos… que convivem diariamente com expressões e um dialeto bem científico. Temos que nos desapegar para conseguir transmitir o conhecimento a qualquer pessoa, com qualquer formação. Esse é um desafio constante no meu dia-a-dia. Já tive oportunidade de falar para diretores, time de auditoria, comunidades de crédito, cientistas de dados, engenheiros, pessoas que se quer haviam ouvido falar de computação quântica.

Existe uma parte do trabalho que é de divulgação e educação. Mesmo que estejamos atuando em pesquisas “hard”, como é também o nosso caso, precisamos saber simplificar os resultados alcançados e comunicar o que é de interesse para cada setor.

Outro ponto essencial é o conhecimento básico de computação quântica e informação quântica. Olhar para o que está acontecendo no mundo e ao seu redor, também é essencial para poder acompanhar as tendências e descobertas da área.

Outro fator extremamente relevante é o conhecimento em programação. É com essa ferramenta que construímos provas de conceito na computação quântica.

Para você, como foi transicionar da academia para a indústria?

Sendo bem sincera, inicialmente foi um pulo assustador e de incerteza. Esse mudança de carreira não era algo que estava em meus planos. Meu “sonho” era atuar como professora/pesquisadora em alguma UF.

A minha chegada no Itaú foi algo completamente inesperado. Em outubro de 2020 Eu havia feito uma seleção para professora da UFRN e havia passado em segundo lugar. Fiquei bastante triste na época, e também preocupada com oportunidades devido à pandemia. Fazia parte do grupo de informação quântica do IIP e havia acabado de conseguir mais três anos como pós-doc sendo financiada pelo Instituto SerraPilheira. No mesmo ano, publicamos um artigo sobre internet quântica que teve e está tendo bastante impacto. Em novembro de 2020 o Itaú entra em contato comigo pedindo uma conversa sobre o artigo. Essa conversa evoluiu para uma proposta de emprego e em dezembro já havia fechado contrato, começando a trabalhar em Janeiro de 2021.

Se eu tivesse sido aprovada em primeiro lugar no concurso, provavelmente eu não estaria no Itaú hoje. Tomei essa decisão e não me arrependo. No início foi bem diferente de tudo que estava acostumada na academia, várias reuniões, todos os dias conhecendo pessoas novas, maneira de falar, visão, objetivos. Mas em um mês eu já estava me sentindo em casa e super confortável. Comecei estudar/pesquisar em outras fontes bastante seguras e utilizadas por empresas em todo o mundo. Fontes que nem sabia que existiam, pois estava habituada apenas a olhar para artigos científicos. A experiência tem sido fantástica, e os benefícios são imensos.

Se perguntassem se quero voltar para universidade hoje, eu diria com certeza NÃO. Eu feliz e bem comigo mesma por tudo que tenho feito e desenvolvido no Itaú. Estou feliz por todas as portas novas que esse universo abriu pra mim. Um mundo inteiro de possibilidades que antes eu não conhecia. Tive a oportunidade de conversar com várias pessoas da academia que tinham dúvidas se deveriam sair de lá entrar na indústria. Algumas delas também migraram e me procuram pra dizer que também não querem voltar.

Algum conselho pra quem está iniciando os estudos na área de computação quântica?

Não apenas estude teoria, simulação, algoritmos, mas se você tem interesse em ter uma oportunidade do mercado, estude sobre as tendências, descobertas, impactos na indústria (em todos os setores). Seja abrangente. Na parte de algoritmos, eu particularmente gosto do ambiente learn da IBM, o Qiskit. Acho bastante didático. Mas minha maior dica é olhar para ciência aplicada. Esse é o grande diferencial.

--

--

Bruna Shinohara de Mendonça
Bruna Shinohara de Mendonça

Written by Bruna Shinohara de Mendonça

Staff Scientist, Quantum @ CMC Microsystems, Physics PhD.

No responses yet